“Eu achei que ao chegar no topo da minha carreira, minha vida iria se resolver de alguma forma e eu entenderia o seu sentido. Esperava que o céu se abrisse, que Deus cantasse, para então viver em constante estado de alegria e paz. Mas isso não aconteceu. O que aconteceu foi uma sensação de euforia no começo, depois depressão e desconexão comigo mesma e com os outros, uma ausência de saber qual é o meu propósito”.
Com esse depoimento impactante, a atriz norte-americana Viola Davis inicia a sua conversa com Oprah Winfrey em um vídeo recém-lançado para divulgar sua biografia.
O que a levou a essa sensação de ebulição interna foi alcançar fama mundial e, mesmo assim, não se sentir completa. Para muitos outros, o gatilho pode ter sido a perda de um emprego, um divórcio, a pandemia.
E o que essas coisas têm em comum? Todas podem ser vistas como crise – e toda crise traz oportunidades importantes de reflexão e mudança.
Mas o foco desse artigo não é sobre a oportunidade que a crise, seja ela qual for, nos traz. Mas, sim, sobre a importância de entender que ser humano é sobre viver a jornada e não sobre a linha de chegada, e isso vai muito além de apenas encontrar o seu propósito de vida.
Uma das características que nos diferenciam de outros seres vivos é que somos os únicos que carregamos o verbo “ser” antes do nome – “humano”. Não existe “ser maçã” ou “ser gato”.
A busca, portanto, é sobre desenvolver quem se é, e é preciso trabalhar para entrar nesse processo de ir se tornando humano. Quanto mais você desenvolve a si mesmo, exercendo diariamente suas virtudes e talentos que você já traz consigo quando nasce, mais você vai entrando na jornada da autodescoberta, se autorrealizando, se tornando quem você nasceu para ser.
Isso significa que, na nossa jornada existencial, na nossa experiência de espaço e tempo na Terra, nós precisamos aprender a nos tornarmos humanos. E é justamente nesse caminhar que vamos encontrando sentido para as coisas: vemos uma casa e temos a capacidade de atribuir significados como moradia, segurança, família, por exemplo.
E, além de irmos nos conectando com as coisas materiais, vamos também nos conectando com o metafísico. Afinal, como dizia Platão, tudo se inicia no mundo das ideias, e as ideias, por sua vez, estão nesse lugar para além do físico. O ser humano pode viver entre o céu e a terra, o material e o imaterial. Fazer essa ponte é justamente o que o permite se tornar humano.
Na jornada humana, se tornar humano é possível, portanto, a partir da correlação entre o material e o imaterial. Viktor Frankl, sobrevivente do holocausto e criador da Logoterapia, afirma que, quanto mais o ser humano encontra sentido para sua vida, mesmo nas situações mais adversas e dramáticas, mais ele tem a possibilidade de evoluir.
Acontece que a maior parte de nós foi ensinada a somente confiar no material, no físico, ou seja, no que os olhos conseguem ver e as mãos conseguem tocar: a estatueta do Oscar, por exemplo. Mas, para que a evolução seja possível, é preciso ter um olhar mais amplo e espiritual – no sentido filosófico, não religioso.
E esse olhar vai muito além de apenas encontrar o seu propósito. Aliás, essa palavra ficou tão batida, tão mal-usada e interpretada que agora temos pelo menos três categorias de pessoas:
as que imaginam que existe uma fórmula mágica para encontrar o seu propósito
as que estão estressadas porque não encontram o seu propósito e se acham insignificantes por isso
as que acreditam que chegar lá é sinônimo de estar realizado na vida
Segundo Mihaly Csikszentmihalyi, criador da Psicologia Positiva, o propósito é realizar quem se é. Por isso, precisamos de pistas para saber que estamos no caminho da nossa autorrealização.
Uma dessas pistas, segundo ele, é quando temos a possibilidade de vivenciar o flow, estado subjetivo que se experimenta quando se está envolvido de tal maneira em uma atividade que se esquece do tempo, da fome, do cansaço e tudo o mais, a não ser a própria atividade. São os momentos excepcionais na vida de uma pessoa, quando há um total engajamento com a atividade, gerando um sentimento de plenitude, de não ver o tempo passar. O filme Soul, da Disney, retrata muito bem essa passagem na cena “A Viagem”.
Claro que essa experiência não se vive todos os dias e nem em todas as horas, mas é nela que conseguimos viver essa relação física e metafísica, entre o concreto e o espiritual.
E, para isso, é necessário trabalhar a cada dia, a vida inteira. A jornada é contínua, e propósito não é profissão. Propósito é desenvolver quem se é a partir dos seus talentos. E a profissão é apenas um dos meios para se desenvolver isso.
É preciso de muita dedicação para chegar lá. O problema é que temos, hoje em dia, uma noção de autorrealização como uma espécie de luz mágica, que virá repentinamente sem que a gente nada faça. E seguimos esperando passivamente por isso, sem realizar nenhum esforço.
O processo de evolução é individual e se dá a partir da relação com o coletivo. Cada um tem que ser responsável pelo seu próprio autodesenvolvimento, ser escultor de si mesmo.
Quando um ser humano se realiza, conectando seus talentos, trabalho e técnica com coerência, ele está pronto para gerar legado. Não existe construção de legado sem a construção de quem se é. Não adianta só nascer inteligente ou com diversos talentos se esses elementos não forem desenvolvidos, sem se aprimorar ao longo do caminho.
Ainda bem que vivemos um momento de expansão da consciência humana. A maravilha disso está justamente na abertura cada vez maior para entender, acreditar e trabalhar pela conexão entre o mundo material e metafisico, tendo a oportunidade assim, de contribuir com a evolução da nossa espécie.
*divulgação original em https://thinkworklab.com/artigos/jornada-humano-proposito/
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